Entre os bárbaros assassinatos registrados na cidade de Patos, talvez nenhum tenha revoltado tanto a população pelo alto grau de brutalidade, como aquele que vitimou o radialista Paulo Ayres Porto. Tratava-se de um deficiente físico, eficiente profissional da comunicação e, como resultado do seu trabalho coerente, recém escolhido para representar o povo no Poder Legislativo Municipal. Conhecido o fato surgiram as primeiras dúvidas: Crime Político? Crime Passional? Sequestro? Acerto de Contas? Inveja? Perversidade? Estávamos diante de uma incógnita que perduraria até, não se sabe quando.
Paulo Ayres Porto, 34 anos, radialista e vereador eleito, filho de Manoel de Morais Porto e Severina Ayres Porto, foi visto pela última vez na noite do dia 07 de dezembro de 1992, em companhia da empresária Alba Liene Pereira Viana, viúva, 26 anos, com a qual mantinha laços de amizade e, segundo informações, se destinavam a uma seresta no município de São Mamede, conduzidos em uma pick-up Ford Pampa, cujo veículo seria encontrado no dia seguinte, abandonado no município de Quixaba, que fica localizado a oito quilômetros de Patos.
Após uma caça patrocinada pela polícia e amigos do radialista, os dois corpos foram encontrados, por volta das 16:00 horas do dia seguinte, em uma vala próxima ao Aeroporto Brigadeiro Firmino Ayres, amarrados com as mãos para trás, as cabeças esmagadas por golpes de pedras e paus. O mais intrigante é que o fato acontecera bem perto de um dos postos da Operação Manzuá. Aliás, os PM’s de plantão informaram que o carro havia passado na estrada, conduzindo apenas as duas futuras vítimas.
Cerca de 10 mil pessoas compareceu ao velório e sepultamento de Paulo Porto, cujo corpo fora conduzido ao Cemitério de São Miguel em uma viatura dos Bombeiros e sepultado por volta de 11:00 horas da quarta-feira, 09 de dezembro. Às 16:00 horas aconteceu o mesmo com a outra vítima, Alba Liene.
O crime revoltou a população patoense e o clamor por justiça foi deflagrado, imediatamente, por diversos segmentos da sociedade, com ênfase à classe política e os clubes de serviços. A Polícia Civil iniciou as investigações, mas diante das dificuldades encontradas acabou sendo substituída por agentes federais. Havia sempre algo estranho, como que um trabalho bem estruturado para atrapalhar as investigações, estivesse acontecendo. Nomes eram apontados, a exemplo de Manoel Rufino, irmão de Alba, e mais tarde descartados, levando os verdadeiros algozes a uma certa situação de tranqüilidade. Dois meses depois da entrada da PF, a Justiça decretou a prisão preventiva da primeira suplente de vereadora pelo PMDB beneficiada com a morte de Paulo, Maria Jeane Calixto e do seu irmão Francisco Antenor Gonçalves, como mandantes do duplo homicídio. A autoria material era atribuída a policiais militares, uma vez que a acusada tinha trânsito livre no III Batalhão, com sede em Patos.
Jeane recebeu voz de prisão no dia 05 de agosto de 1993 e foi imediatamente levada para o II BPM, com sede em Campina Grande, enquanto o seu irmão se entregou no mesmo mês e foi conduzido ao Presídio do Serrotão, também sediado na Rainha da Borborema. Enquanto os dois aguardavam julgamento, os executores continuavam na impunidade. A vereadora ainda foi transferida para o Presídio Feminino do Bom Pastor e Centro de Ensino da Polícia Militar, em João Pessoa. Também chegaram a ser acusados como possíveis autores materiais, o policial Damião Ferreira e o motorista Ivo Cordeiro, os quais foram inocentados e liberados pela Justiça, sob a alegação de falta de provas.
Depois de dois anos presa, a principal acusada passou a acusar, citando nomes de autoridades e figurões da política como envolvidos no caso. A imprensa chegou a noticiar como informações bombásticas, capazes de promover reviravolta. Contudo as declarações não passaram de bastidores o que contribuiu para a criação de novos mistérios. O julgamento deveria ter acontecido em Patos, no mês de março de 1995, no entanto, o pedido de desaforamento feito pelos advogados de defesa foi aceito pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, sob a alegação de que poderia haver parcialidade na Rainha Sertaneja. Ficou definido como palco do Júri o Primeiro Tribunal da Capital e a nova data acabou recaindo em 21 de setembro do mesmo ano. Após a apresentação de outras alegações, novo adiamento foi determinado pelo Juiz e somente no dia 28 do mesmo mês os dois sentaram no banco dos réus. Os trabalhos duraram cerca de vinte horas e culminaram com a absolvição dos acusados pelo placar de cinco a dois. O então deputado Gilvan Freire, atuou na condição de assistente da acusação, a exemplo de Ribamar de Lima e esposa. Presidiu os trabalhos o Juiz Abraham Lincoln e na Promotoria Newton Carneiro Vilhena. A defesa foi confiada ao advogado João Estrela, auxiliado por Romeu Abrantes. Ao final o Ministério Público noticia que vai apelar e assim procede, só que em 30 de abril de 1996, a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, à unanimidade, nega provimento a apelação interposta, tendo sido relator da matéria o Desembargador Raphael Carneiro Arnoud.
Familiares e grande parte da população patoense, têm o caso Paulo Porto como uma página triste da história. As circunstâncias criaram uma imagem negativa para a polícia, a política, a justiça e circunstanciaram a existência de muitos espaços que beneficiam a impunidade. A acusada, mais tarde libertada, além dos anos de prisão, passou a amargar enormes consequências com o ocorrido, pois, mesmo não tendo tido participação como concluiu o júri popular pouco conhecido da cidade de Patos, acabou tendo que encerrar sua carreira política. Concluiu o seu mandato, no entanto, jamais conseguiu se reeleger para a Casa de Juvenal Lúcio de Sousa. Jeane Calixto chegou a escrever um livro, sob o título “A Face Oculta da Justiça”, no qual narra, ao seu modo, todos os episódios que constituíram essa mágoa jamais apagada do coração da Capital do Sertão da Paraíba.
O caso Paulo Porto passou a constituir uma bandeira de luta pelo fim da impunidade. Tragado pelo mais alto grau de violência aos 34 anos de idade, deixou a esposa Maria Gorete e duas filhas ainda crianças, Tâmara e Tayse. Eleito vereador de Patos em 03 de outubro de 1992 com 590 votos, pelo Partido Democrático Brasileiro, Paulo Porto era campeão de audiência com o seu programa “Show da Cidade”. Mesmo deficiente das duas pernas não usava cadeira de rodas e durante a passeata da vitória fez questão de vestir um paletó e desfilou no caput de um carro de som, empunhando um microfone e respondendo a um dos seus opositores que o discriminava na campanha, com a seguinte frase: “Quem disse que aleijado não pode usar paletó, se enganou redondamente”.
Recorde a voz de Paulo Porto, um radialista que marcou época em Patos. Vídeo produzido pelo radialista Ferreira Silva, de Malta:
Vídeo: radialista Ferreira Silva