A defesa do presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou com uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta terça-feira (22), pedindo que os votos de 279.336 urnas eletrônicas utilizadas no segundo turno das eleições deste ano sejam invalidados. Isso corresponde a 59,2% das máquinas utilizadas na votação. A ação afirma que só seriam válidos votos registrados num modelo mais recente da urna, usado em 40,8% das seções e nas quais Bolsonaro teria conquistado a maioria dos votos.

Segundo a ação, uma auditoria independente realizada a pedido do Partido Liberal constatou que urnas de modelos antigos apresentaram um número idêntico de LOG – arquivo que registra todas as atividades durante o funcionamento da urna – quando cada máquina deveria apresentar um número individualizado de identificação. Os modelos de 2009, 2010, 2011, 2013 e 2015 teriam apresentado “problemas insanáveis de funcionamento, com destaque à gravíssima falha na individualização de cada arquivo LOG de urna e sua repercussão nas etapas posteriores, tais como o Registro Digital do Voto (RDV) e a emissão do Boletim de Urna (BU), e, consequentemente, na ausência de certeza quanto à autenticidade do resultado da votação”.

O Boletim de Urna é um extrato impresso por cada urna com todos os votos recebidos por cada candidato naquela seção eleitoral. Uma versão digital é enviada ao TSE para a totalização, que gera o resultado oficial. O Registro Digital do Voto é um arquivo interno da urna que registra como cada eleitor votou, mas embaralha os dados, de modo que não seja possível identificá-lo. O LOG contém o histórico de funcionamento da urna, e registra o momento em que foi ligada, as checagens da autenticidade dos programas instalados, a carga dos dados dos candidatos que podem ser votados naquela máquina, o registro de cada voto e a emissão do Boletim de Urna. Todos os LOGs foram publicados pelo TSE na página oficial de resultados.

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“Imaginem um diário, em que cada linha registra uma atividade. O programa que constrói esse LOG lê dois dados, duas informações, direto do hardware, a estampa de tempo, data, hora, e também o código de identificação da urna. É importante que essas informações estejam todas corretas”, disse em entrevista à imprensa o engenheiro Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal (IVL), que fez o trabalho de auditoria contratado pelo partido. A ação diz que só com a devida identificação de cada urna no LOG é possível certificar que os registros contidos nesse arquivo de fato representam o que ocorreu nela.

“Sem a correta individualização do arquivo LOG com o número de identificação da urna, não é possível realizar, com a certeza e a higidez que o sistema eleitoral brasileiro exige (i.e., certeza, e não probabilidade), a vinculação entre a unidade física – urna eletrônica – e o documento gerado por ela”, diz a ação. “Do modo em que disponibilizados os arquivos Log das Urnas eletrônicas fabricadas antes de 2020, não há como a Justiça Eleitoral assegurar a vinculação entre as informações lançadas em tais documentos e as intervenções realizadas em cada uma dessas urnas, conferindo certeza da autenticidade do resultado da votação”, diz outro trecho.

O problema, portanto, impediria uma correta auditoria da integridade votação. Trata-se, nas palavras do PL, de “grave erro” e “falha inaceitável”. “A falta de uma adequada individualização dos documentos essenciais emitidos pelas urnas e as graves consequências daí decorrentes colocam em xeque, de forma objetiva, a transparência do próprio processo eleitoral, porquanto, repita-se, impedem que os órgãos de fiscalização possam realizar a importante auditoria nas atividades e intervenções humanas realizadas nos sistemas, programas e no funcionamento das urnas eletrônicas”, diz o partido.

Segundo Carlos Rocha, a identificação única nos arquivos de LOG das 279 mil urnas do modelo antigo não teria ocorrido nas outras 193 mil unidades do modelo mais recente, de 2020, que corresponderam a 40,8% do total utilizado nas eleições. Nessas urnas mais novas, Bolsonaro teve pouco mais que 51,05% dos votos, contra 48,95% de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ação diz que esses são os “os únicos votos que podem ser idoneamente considerados como válidos, porquanto auditáveis e fiscalizáveis”. A ação insinua que só esses votos seriam válidos, o que daria a vitória a Bolsonaro. Oficialmente, porém, pede que o TSE determine as "consequências práticas e jurídicas devidas com relação ao resultado do Segundo Turno das Eleições de 2022".

O resultado oficial do TSE, com todas as urnas, registrou a vitória de Lula com 50,9% dos votos, contra 49,1% de Bolsonaro, no segundo turno.

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No relatório elaborado pelo IVL, base da ação, os técnicos cogitam quatro hipóteses que poderiam ter causado o problema: erros humanos não intencionais de servidores que desenvolveram os programas; invasão externa dos s is temas do TSE, através de ações de ataque cibernético, em algum momento antes das eleições; invasão interna dos programas da urna eletrônica, através de ações de hackers que teriam assumido credenciais de acesso de servidores ou terceirizados; ou ação ilícita de funcionários com a intenção de manipular os resultados.

“O mau funcionamento de urnas eletrônicas , comprovado pelas falhas nos arquivos LOG, evidencia que os programas presentes nestas urnas têm desconformidade irreparável, gerada por erros de programação, invasão externa ou interna, ou ataque cibernético, o que elimina a garantia da integridade dos conteúdos dos arquivos BU e RDV produzidos por estas urnas eletrônicas”, diz o relatório do IVL.

Auditoria aponta violação do sigilo de eleitores e indício de perda de votos

Carlos Rocha ainda disse que a análise dos arquivos de votação revelou 800 casos de violação do sigilo do voto. Durante a votação, várias urnas teriam travado e tiveram de ser religadas pelos mesários. Segundo o engenheiro, nessas urnas, os LOGs acabaram registrando o número do título ou o nome do eleitor que estava votando no momento do travamento. “É um ponto muito sensível, porque o sigilo do voto é um direito constitucional. Quando encontra ocorrência que viola o sigilo, é um ponto de preocupação”, disse o engenheiro.

O relatório do IVL ainda informa que, no segundo turno, houve 75 mil ocorrências em que a urna travou e teve de ser desligada no meio da votação. “Nestes eventos de travamento, há um forte indício adicional de que os votos do eleitor foram perdidos , porque o LOG não apresenta a mensagem ‘O voto do eleitor foi computado’”, diz o IVL.

Valdemar diz que objetivo da ação é fortalecer democracia

Na entrevista à imprensa para anunciar o teor da ação e os resultados da auditoria, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, disse que o objetivo é o “fortalecimento da democracia em nosso país”. Ele, no entanto, buscou tirar as credenciais do partido das conclusões da auditoria, feita pelo IVL.

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“Nós do PL não somos especialistas em segurança de dados, por isso fomos atrás de técnicos que fizessem esse trabalho para garantir a transparência do processo eleitoral”, afirmou aos jornalistas. “Esse relatório não expressa a opinião do Partido Liberal. Deve ser analisado pelos especialistas do TSE, de forma que seja assegurada e resguardada a integridade do processo eleitoral, com o único intuito, de fortalecer a democracia doo Brasil”, afirmou o cacique.

Valdemar, Portinho e Rocha evitaram responder se a ação deve levar ou não à anulação das eleições. No fim de semana, o presidente do PL disse que esse não seria o objetivo. Ação tem por objetivo uma “verificação extraordinária” do pleito, procedimento permitido pelo próprio TSE e previsto numa resolução sobre a fiscalização da eleição aprovada no ano passado. Para apresentar esse tipo de representação, a norma exige que “sejam relatados fatos e apresentados indícios e circunstâncias que a justifiquem, sob pena de indeferimento liminar”.

Na ação, o PL sustenta que a ação deve ser julgada pelo plenário do TSE, composto por sete ministros, e não tem natureza administrativa, hipótese que permitiria ao presidente da Corte decidir monocraticamente. Houve pedido para a representação fosse distribuída livremente entre os ministros e foi sorteada como relatora a a ministra Cármen Lúcia.

Apesar disso, logo após a entrevista, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes despachou na ação, afirmando que as urnas utilizadas no segundo turno foram as mesmas do primeiro. Por isso, disse que o PL deve ajustar a ação para que o pedido de invalidação dos votos abranja também o primeiro turno, quando foram eleitos deputados, senadores e parte dos governadores. No despacho, ele disse que essa alteração na ação deve ser feita em 24 horas, "sob pena de indeferimento da inicial", ou seja, de arquivamento do processo. O PL foi o partido que elegeu o maior número de parlamentares federais nas eleições, com 99 deputados e 14 senadores.

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